Incrivelmente longa, exaustivamente apaixonante e, por tudo isto, maravilhosamente gloriosa porque acaba provando a indistutível categoria técnica do jogador campista, é a relação dos nomes que saíram deste lugar para se consagrarem como ídolos em clubes de outras cidades e até mesmo em todo o país. Mas, enorme também é a lista daqueles que, por amor à terra, por desamor à aventura, preferiram cravar as garradeiras de suas chuteiras pelos campos da planície, num desvario romântico, bucólico mesmo, às coisas e às gentes campistas.
Valdir Pereira, mundialmente consagrado como Didi, foi um dos maiores jogadores gerados em Campos. Ganhou fama justamente na época em que Zizinho e Jair saía derrotados de uma Copa do Mundo e foi crescendo no confronto com o futebol então praticado por Rubens e, a seguir, Moacir, um pretinho muito feio mas tão bom de bola que Vicente Feola, em 1958, o levou como titular da Seleção campeã do mundo na Suécia.
Este Valdir Pereira, desde pequeno conhecido por Didi, ex-juvenil de tudo que foi clube campista que fazia a preliminar de jogos intermunicipais ou interestaduais, em time de cima só jogou pelo Industrial e Rio Branco, que vendeu Dodô, mano de Didi, ao Madureira, indo este de contrapeso, já que bom de bola mesmo era Dodô que voltou, lá ficando Didi.
- Quem é aquele ali, torpe? - perguntou o dramaturgo Nélson Rodrigues a este jornalista, durante um jogo do Fluminense no Maracanã.
- É o Didi, Nélson - foi a resposta.
- Ô abominável criatura, responda certo, então. É o Príncipe Etíope do Rancho.
Mauro Pinheiro, enorme charuto à boca, máquina de escrever à frente, também escreveu sobre Didi na Revista Placar:
"Maracanã, abril de 1957. Falta na entrada da área. Didi ajeita a bola com cuidado. Toma pouca distância e bate. O chute sai forte, elevado. Inesperadamente a bola muda de trajetória e cai dentro do gol, bem no ângulo. O goleiro Asca permanece imóvel. O Brasil derrota o Peru, classificando-se para o Mundial de 58. E a torcida vê surgir um novo dono absoluto para a camisa 8 do futebol brasileiro: Didi. Sua principal característica: era um maestro dentro do campo".
Mauro Pinheiro só errou, como o leitor irá verificar em seguida na transcrição do seu texto, ao escrever que Didi saíra do Goytacaz para o futebol carioca. Leiam-no:
"Com 20 anos, recém-casado, Didi começou defendendo as cores do, à época (1948) principal clube de sua cidade: o Goytacaz de Campos. Mas o bom do time era Dodô, seu irmão, cuja fama era tanta que o Madureira foi buscá-lo, levando Didi como contrapeso. Em seis meses de Rio, Dodô não justificou a fama. Ao contrário, Didi pintou como craque. Firmou-se no time, substituindo um dos maiores armadores da época: Jair Rosa Pinto".
José Sartro Costa, ex-jogador e também dirigente de clube e amigo pessoal do falecido Deputado Alair Ferreira, contou que Didi saiu do Clube Esportivo Rio Branco para o Madureira:
- Eu era o presidente do Rio Branco e vendi Dodô por Cr$ 12.000,00, indo Didi de quebra na transação com o Madureira. Esta glória é minha: o Brasil só conheceu Didi porque eu tive a coragem de, junto com o Dodô, seu irmão, mandá-lo para o Rio.
Pirré, ex-jogador do Industrial e durante muitos anos funcionando como porteiro e até mesmo delegado da Liga Campista de Desportos, falou que Didi começou jogando no clube do qual foi lateral. E provou, cedendo uma foto histórica do Industrial, com Didi na meia-esquerda.
"No Madureira - escreveu Mauro Pinheiro, na Revista Placar - Didi durou pouco. Em 1949 era transferido para o Fluminense, onde ao lado de Carlyle, Bigode, Píndaro, Castilho, Telê e Orlando Pingo de Ouro, conseguiu projetar-se e definir seu estilo de jogo. No ano seguinte era convocado para a Seleção de Novos que iria jogar contra os paulistas na festa de inauguração do Maracanã. Os cariocas perderam, mas ele marcou o primeiro gol da história do estádio".
A carreira de Didi não parou aí. Em 1952, nova convocação, desta vez para o Sul-Americano, em Lima. Lá travou seu primeiro contato com o futebol peruano. Na Seleção, firmou-se substituindo um dos maiores jogadores brasileiros: Mestre Ziza. E mereceu nova convocação: a chamada para a Copa de 1954, apesar das críticas sobre sua eterna tendência para o vedetismo.
Mário Filho, um dos grandes romancistas do futebol brasileiro, também escreveu sobre o jogador campista, no Jornal dos Sports. E o estilo inconfundível de Mário Filho não poderia deixar de ser aqui transcrito numa outra homenagem não apenas a Didi mas também ao futebol de Campos, celeiro inesgotável de valores deste esporte de massa:
"51 apresentara outro grande negro do futebol brasileiro: Didi. Jogava em pé, a não ser quando, aparentemente, se desequilibrava para enfiar um passe, Zezé Moreira apontava aquele preto de pescoço alto, feito de foca, equilibrando a cabeça, como o maior atacando do Brasil. Maior do que Zizinho.
E havia gente que só ia a futebol para ver Zizinho. A bola sempre ao alcance dele, para uma cutucada, para um drible seco e curto, para um chute de estufar a rede. O que Zizinho fazia com a bola era até de se duvidar.
Didi trouxera uma coisa nova. Quase sem olhar, dando, pelo menos, a impressão de que não olhava, esticava um passe de 30, 40 metros, lançando um Carlyle ou um Orlando diante de outro gol, sozinho. E quando batia uma penalidade, dava um efeito na bola, encobrindo a barreira, surpreendendo o goleiro. Era a folha seca.
Além do mais, tinha a vantagem de ser duro. Zizinho também era duro. Talvez estivesse pagando o 16 de julho. O 16 de julho não saía da cabeça do brasileiro. Aquela fora a hora de dar o safanão, de meter o braço, de tacar o pé.
Daí impressionaram mais os que, no momento exato, fizeram isso depois. Não apenas os jogadores. Os técnicos, os massagistas.
Didi surgira mesmo como craque, em 51. E havia Zizinho que muitos consideram o maior jogador brasileiro. Mas estava no Bangu, perdera o apoio da torcida do Flamengo, que se voltava para Rubens.
E dentro do sistema de Zezé Moreira a peça era Didi e não Zizinho. Um Didi que obedecia ordens, de um lado para outro, sem parar em campo, enfiando bolas de longe. Sem ter, todavia, a vaidade do Didi que ia aparecer como um Príncipe Etíope de Rancho.
A crônica engoliu a contragosto a consagração de Zezé Moreira. Não ia com o sistema dele. O que queria, no fundo, era o Brasil do Brasil x Espanha, das Touradas de Madri. Solto em campo, desinibido, jogando ao som de uma marcha de carnaval.
Daí talvez, ao deixar morrer mais depressa a euforia da façanha de Santiago. Engoliu um pouco a derrota dos cariocas, com Zezé Moreira, para os paulistas, com Aimoré Moreira, com Julinho dando um baile em Nílton Santos. Para a crônica, culpa de Zezé Moreira, da marcação por zona, que deixava Julinho pegar a bola livre e dominá-la para o drible.
Um Didi pertencia à categoria dos que tinham deixado de ser pretos. Um Nélson Rodrigues só se lembraria da cor de Didi para chamá-lo de Príncipe Etíope de Rancho. Didi tinha a graçade uma foca equilibrando uma bola na cabeça. Jogava ereto. Só na ocasião de um drible, ou de um passe, é que, aparentemente, se desequilibrava. Não passava uma bola ao natural, empurrando-a, fazendo-a rolar. Dava-lhe uma chicotada com o pé para que ela tomasse efeito, e caísse onde queria.
Foi assim que inventou a folha seca. Com uma folha seca classificaria o Brasil para o Campeonato Mundial da Suécia. O escrete brasileiro, de cabeça baixa, depois que perdeu o Sul-Americano de Lima, e logo para a Argentina.
O primeiro jogo de classificação foi em Lima. Jogo em branco. Zero a zero. O segundo foi no Maracanã. E aí, quando todos desesperavam, de longe, de quase 40 metros, Didi bate uma penalidade. Era a folha seca, a bola descrevendo uma curva, caindo de repente, para desespero do goleiro que não previa nada disso.
Só a posse da bola, plena, total, de quase ato sexual, o conhecimento no sentido bíblico, da bola, a menina, a namorada, a noiva, a mulher, é que poderia ter feito Pelé encontrar o caminho do gol contra o País de Gales.
O gol não foi obra apenas de Pelé. Nasceu de uma bola enfiada por Didi, em meio a uma floresta de pernas. Quando a recebeu, Pelé não podia chutá-la. Um pé enorme se levantou e veio, de travas à mostra, para cobrir-lhe o pé e a bola. Pelé tocou na bola, levantando-a, ao mesmo tempo que rodava sobre si mesmo.
A bola estava fora do alcance do pé enorme, e ele também, porque rodara e dera as costas, como se tivesse saído da jogada. Completando o giro, porém ficou de frente para o gol no momento exato em que a bola descia para o tiro de misericórdia, um peteleco na bola, bem no canto do gol.
Viu-se, então, em pleno esplendor, o melhor e o mais belo futebol do mundo. Sobretudo quando uma dificuldade surgia, como contra a França, que chegou a fazer um a um, como contra a Suécia, que marcou o primeiro gol.
Didi veio lá da frente para apanhar a bola no fundo da rede de Gilmar. Botou-a debaixo do braço, esticou o pescoço de foca, e gritou de dentes cerrados:
- "Vamos encher esses gringos!"
Campeão do mundo em 1958, Didi passou a valer ouro. Sondado pelo Real Madri, manifestou seu grande sonho: jogar ao lado de Di Stéfano e Puskas. Antes, em 55, Didi iniciou um rosário de brigas com o Fluminense, até que o clube tricolor o negociou, no ano seguinte, com o Botafogo, por um preço recorde na época: 1 milhão e 850 mil cruzeiros velhos. Em 59, foi vendido pelo Botafogo ao Real Madri, por 80 mil dólares. No clube espanhol acabou não suportando a campanha feita contra ele por Di Stéfano e, em 1961, o jogador campista retornou ao Botafogo, pelo qual foi bicampeão em 61 e 62 e, pelo Brasil, novamente campeão do mundo, aí no Chile. O último clube de Didi, que em 62 havia iniciado também a carreira de treinador, foi o São Paulo, em 66, quando pendurou de vez as chuteiras.
Armando Nogueira, num estilo gostoso de se ler, também se referiu a Didi no livro Na Grande Área, escrevendo que "o passe de curva não é, como se pode imaginar, uma obra de inteligência intuitiva. Nasceu de uma necessidade profissional, de um sofrimento. Em 1952, Didi machucou o tornozelo e não conseguiu ficar bom. Ia a campo, diariamente, tentando um jeito de bater na bola sem magoar o pé. Descobriu, um dia, que chutando com a base dos artelhos e não rigorosamente com o peito do pé, como manda o figurino, não sentia absolutamente nada. Concentrou-se, então, no treinamento dessa estranha deformação do chute perfeito, que é bater na bola quase com a ponta do pé, utilizando como superfície de impacto, principalmente, a base do dedo grande e seus dois vizinhos mais próximos. A princípio, estranhou o peso da bola que é muito mais sentido na ponta do que no meio do pé. Depois, começou a busca do efeito, justamente para atenuar o esforço da alavanca. E começou a chutar de raspão, desviando o pé para um lado ou para o outro, tal como se faz com o taco para imprimir efeitos à bola de bilhar francês (notadamente nas bolas de efeito). A perfeição da jogada viria com a prática. Prática que lhe permitiu dar à bola dois efeitos distintos e simultâneos, chutando de raspão e prensando-a contra o chão. Orgulhosamente, Didi confessou que a bola sai completamente zarolha".
No longo capítulo de quase cinco páginas, Armando Nogueira, em outro parágrafo, escreve que "Didi é o melhor exemplo brasileiro de um craque que aprendeu a disciplinar a sua técnica, jogando, com brilhante rendimento, um futebol que vem do instinto e da reflexão. Ele sabe, como poucos no mundo, mobilizar as suas pontencialidades, no instante de um drible de corpo ou de uma tabelinha (são inesquecíveis as tabelinhas que executava com Pelé no sul-americano de 1959, em Buenos Aires), no momento de um contrapé. Didi é maravilhosamente medular, irresistível na execução de um passe longo, e cerebral, científico. Tem perfeita noção espacial, como possui, também, profundo conhecimento do jogo e da posição dos jogadores, é capaz de criar uma situação excepcional de gol que aparentemente não existia. É esta, sem dúvida, a grande virtude que distingue o gênio do simples talento no futebol - a capacidade de antever a jogada. Didi, como Pelé, por exemplo, é tão extraordinário no mistério da antevisão de um lance que em certos momentos chega a fazer do futebol um jogo irreal".
Gilberto Cardoso, um campista que chegou à presidência do Flamengo, entrevistado, certa feita, pelo jornal O Globo, disse que o maior jogador que conheceu foi Mário Seixas, um sarará de pernas grossas, que jogou no Americano, no Bahia, na Portuguesa, no Santos e nas seleções baiana e brasileira. Sem contestar a opinião do dirigente, é bom lembrar que Gilberto Cardoso não viveu a era Pelé. Antes disso, uma cesta de Guguta, que valeu mais um título de campeão de basquete ao Flamengo, levou o presidente rubro-negro à morte. Esse jogo, contra o Sírio, foi no Maracanãzinho, hoje ginásio Gilberto Cardoso.
Num Campeonato Brasileiro, segundo Antônio Martins Coutinho, jogador do Americano como Cambãozinho, em 1916, Mário Seixas, na época meia-esquerda da seleção baiana, driblou toda a defesa paulista e, depois de jogar a bola na rede, saiu de campo magoado com os companheiros porque não tinha com quem jogar. O resultado desse jogo foi 11x1 para São Paulo, e o gol de honra da Bahia pertenceu a Mário Seixas, de quem Neneco, filho de Santa Luzia de Carangola, tricampeão pelo Aliança, ex-jogardor da Seleção Capixaba, falou coisas bonitas. E Neneco conheceu Mário Seixas jogando pela representação da boa terra, em 1929.
O que poucos sabem, e é o Álbum de Ouro do Santos Futebol Clube que lembra, é que Mário Seixas, no dia 30 de julho de 1930, uma quarta-feira, formou neste time: Athiê; Aristides e Meira; Osvaldo, Roberto e Alfredo; Osmar, Camarão, Feitiço, Mário Seixas e Evangelista. Importante, também, foi que, nessa tarde, com todo o comércio fechado para que os santistas pudessem ver o jogo, o Santos goleou espetacularmente (6x1) a Seleção da França, que voltava do Uruguai após disputar a Copa do Mundo. Mário Seixas ocupou, com destaque, o lugar de Araken, outra glória do futebol brasileiro e que se encontrava, com Polí, então jogador do Americano, em Montevidéu, participando da tal Copa.
Alguns anos antes, Amaro Silveira, metro e sessenta e cinco de altura, pai de Amarildo, foi o ponta-esquerda da Seleção Brasileira.
Terrível rompedor de área, conforme escreveu Geraldo Romualdo da Silva, no Jornal dos Sports, Amaro Silveira iniciou sua carreira no extinto Lacerda Sobrinho, ingressando depois no Goytacaz, para onde foi levado por Gumercindo Freitas e Ernesto Lima Barreto. Em 1924, Amaro Silveira integrou o escrete fluminense que derrotou o carioca por 3x1, em Álvaro Chaves, cuja formação foi esta: David; Congo e Soda; Vicente, Malvino e Serafim; Valteraro, Rolinha, Bibino, Mário Seixas e Amaro Silveira. De fora, nesse time, foram Congo, Serafim, Valteraro e Rolinha. Todos os outros eram campistas.
Um ano antes, a 11 de novembro de 1923, segundo o almanaque Seleções Brasileiras Através dos Tempos, editado por Adolpho Schermann, Amaro Silveira jogou na ponta-esquerda da Seleção Brasileira, tendo sido, portanto, o primeiro campista a vestir a camisa da CBD, hoje CBF. O time brasileiro, naquele dia, contou com Nélson; Penaforte e Alemão; Mica, Nesi e Dino; Pascoal, Torteroli, Nilo, Coelho e Amaro Silveira, e o jogo foi contra o Paraguai, que venceu por 1x0, no Parque Central, em Montevidéu, pelo Campeonato Sul-Americano. Desse mesmo escrete fizeram parte, também os campistas Soda e Mário Seixas.
Só em 1930, e esta história todo o campista conhece, foi que Poli, do Americano, jogou pela Seleção Brasileira. Isso aconteceu no dia 14 de julho, o jogo foi contra a Iugoslávia, que derrotou o escrete daqui por 2x1, pela Copa do Mundo. O time brasileiro contou com Joel; Brilhante e Itália; Hermógenes, Fausto e Fernando; Poli, Nilo, Araken, Preguinho e Teófilo.
Lelé, o grande Lelé, de chute tão forte que certa feita pôs um goleiro para correr e que foi personagem de marchinha carnavalesca, também nasceu em Campos, onde foi bicampeão pelo Aliança, ao lado de Eira, Tote, Salvador, Antoninho, Carbone, Lessa, Jorginho, Vicente, Neneca e João Rebite. Jogou no Madureira, de onde se transferiu para o Vasco da Gama, juntamente com Isaías e Jair, formando na época, um dos trios atacantes mais famosos do futebol carioca e brasileiro.
Pinheiro, outro jogador campista, ex-juvenil do Americano, estreou na Seleção Brasileira como atleta do Fluminense, e Tite, filho do grande Bibino e mano de Rubens Rios, que já presidiu o Goytacaz, jogou poucas vezes no time principal desse clube, transferindo-se muito novo para o tricolor de Álvaro Chaves, de onde foi para o Santos, do qual foi convocado, em 1957, para a Seleção Brasileira. Já Amarildo começou jogando num time de crianças que existiu na Rua Formosa, passando pelo Ipiranga e, mais tarde pelo Goytacaz. Depois foi juvenil do Flamengo, só chegando à Seleção Brasileira em 1962, como jogador do Botafogo, e se transformando no Possesso, segundo Nélson Rodrigues, ao substituir Pelé na Copa do Mundo do Chile.
A relação dos grandes jogadores campistas que fizeram nome no lugar ou fora é das maiores, destacando-se, entre tantos, e além dos que já foram citados, Valdir Negrinhão, da família de Ademar, Ari, Álvaro, Dudu, Roxo, Catosca e Tolinha. Valdir Negrinhão começou no Industrial, foi tetracampeão pelo Goytacaz, participou de vários combinados campistas e fluminenses, tendo integrado a seleção do Estado do Rio que goleou a de Minas por 5x1, em Belo Horizonte. Depois jogou pelo Botafogo, Milionários da Colômbia, ao lado do grande Heleno de Freitas, encerrando sua carreira no América mineiro.
Pires, Nagib, Cobian, Andretti, Mário Borboleta, Nahime, Mineiro, Manoelzinho, foram outros grandes jogadores campistas. Manuelzinho, ex-jogador do Goytacaz, jogou pelo São Cristóvão, no Rio. Sua estréia foi contra o Vasco da Gama, em cujo jogo marcou o gol da vitória (1x0) driblando o grande Domingos da Guia e depois Itália, antes de marcar.
Osvaldino, um mulato de boa estampa, começou no juvenil do Campos, em cuja categoria se transferiu, em 1955, para o Goytacaz, onde jogou com Amarildo, e, pela seleção campista de juvenis, com Amaro Bacalhau. Com 15 anos vestiu a camisa do time principal do alvi-anil ao lado de Manoel Lucas, Roberto Peru, Tarceli, Ualdo, Rubinho. Esteve no Rio, onde fez estágio no América e Bangu e atualmente vive, como professor de educação física, em Cachoeiro, no sul do Espírito Santo. Dele, os mais antigos dizem duas coisas: não era de fazer falta, mesmo jogando como médio, e tinha a mania de matar a bola no peito para depois sair jogando sem dar um chutão. Foi um dos campeões do Goytacaz, anos atrás.
Valores que fizeram nome no futebol campista existem muitos, como Amaro Matraca, Hugo de Campos Soares, que chegou a jogar pelo Botafogo, Rebolinho, além de Cri-Cri, que saiu do Americano para o América e, num jogo contra o Botafogo, marcou quatro gols. Zurlinden, que enfrentou os uruguaios na Rua São Bento, Lula, Alcino, que jogou pelo Olaria e São Paulo, mais Newton, que saiu do Goytacaz para formar neste timaço do Flamengo: Batalha; Penaforte e Hélcio; Mamede, Seabra e Dino; Newton, Candiota, Nonô, Vadinho e Moderato. Isso em 1925, ano em que o Flamengo foi campeão carioca. Pelo Flamengo também jogaram os campistas Jarbas, Paulinho de Almeida, Décio Castro e Fidélis.
Celso Linhares saiu de Campos para o Botafogo, pelo qual jogaram Ivan, Hugo, Cremílson e Zé Carlos, o primeiro dos dois últimos egresso do União de Santa Cruz e o segundo do Nova Brasília. Já pelo América jogaram Cabrita, Mineiro, Cinco, Gilmar, Sérgio Lima, Heitorzinho e Renato, além de Cri-Cri, e, no Madureira, Lelé, Didi, Amaro Batista, Mílton Barreto e Carioca. O Bonsucesso contou com Irineu, que substituiu Lelé no time tricampeão do Aliança, além de Pedrinho, Roberto e Amaro Barbosa, o Bacalhau, este tabém com passagens pelo América, Corinthians e Milan, da Itália.
Salvador, de quem os campistas pouco ouviram falar, saiu do distrito de Mussurepe e foi jogar no Bela Vista, em Portugal, enquanto o Fluminense, ao longo de tantos anos, contou com Pinheiro, o endiabrado Maneco, Hélvio, que depois, a exemplo de Tite, jogou pelo Santos e a Seleção Brasileira, mais Milton Bororó, Evaldo, Denílson, que saiu pequeno de Campos e chegou a vestir, com brilho, a camisa da Seleção Brasileira e Emílson Peçanha. O Vasco contou com Moacir, o São Cristóvão com Salvador e Manoelzinho e o Tupi, de Juiz de Fora, com Manga.
Mas a penca maravilhosa de bons valores do futebol campista não ficou nestes nomes. E tanto isto é prova que Ovílson Neves saiu do lugar e jogou no Canto do Rio, Dedé, Alfeu e Arturzinho vestiram a camisa rubro-negra do Flamengo. Outro Arturzinho foi titular vinte e cinco anos do time do Campos, enquanto Fubá, jogando pela Portuguesa carioca, correu o mundo, tendo assistido ao casamento do Príncipe Rainier com Grace Kelly, ex-atriz do cinema americano, e Vicente Arenari, de família das mais tradicionais de Campos e toda ela ligada ao esporte, foi campeão brasileiro jogando pelo Bahia, e ídolo, como zagueiro, de uma das mais fortes equipes do Palmeiras.
Mário Ramos, falecido alguns anos atrás, também andou mostrando sua bola no Fluminense, no Bahia e em Pernambuco. Ele, como todos os demais, fizeram parte deste elenco espetacular de jogadores, no qual se incluem Manoel Lucas, o ídolo da década de 50 como jogador do Goytacaz, os inteligentes irmãos Carlos Augusto e Nílton Barreto, o ponteiro Edinho, do Americano, o ponta-de-lança Chico Preto, que passou pelo Campo Grande, e os grandes goleiros Cleveland, Augusto, que jogou pelo Campos, Alcides e Haroldo, pelo Americano, Nilsinho, pelo Rio Branco e Zé Carlos e Rodoval, pelo Goytacaz.
Rodoval, também conhecido por Zé da Ilha, certa feita jogando contra o Roial, em Barra do Piraí, mandou Jorge Félix cobrar o pênalti arranjado pelo juiz do jeito que quisesse que ele, Rodoval, defenderia. O jogo estava 1x1, resultado que servia para o Goytacaz ganhar o título fluminense. Faltavam dois minutos quando surgiu a tal falta, criando-se, com isso, terrível rebu: os jogadores do time campista tentando evitar que o pênalti fosse cobrado, porque o empate consagraria o Goytacaz, os do Roial querendo cobrar, porque só a vitória lhes daria o título. Foi aí que o goleiro Rodoval chamou o grandalhão Jorge Félix e, aos gritos, ordenou: "Bate este troço do jeito que bem entender que eu vou defender". O juiz apitou, Jorge Félix, que depois andou jogando pelo futebol carioca, correu, meteu o pé com raiva na bola e Rodoval, atirando-se para o canto direito, defendeu a penalidade com as pernas, no centro do gol. Na recarga, Carlos Augusto deu um chutão para a frente, onde só estavam, no grande círculo, o atacante Chico e um zagueiro do Roial. Chico driblou o zagueiro, correu a metade do outro campo e, na saída desesperada do goleiro, marcou o gol da vitória do Goytacaz. Logo depois o jogo terminou, para desespero da gente barrense.
Titio, um meia de quem o jornalista Hervê Salgado Rodrigues sempre falou com o maior carinho, pela beleza do futebol que apresentou como jogador do Goytacaz, também foi citado pelo ex-goleiro Nagib, do Americano, que só foi jogar neste clube, segundo revelou ao Monitor Campista (21 de janeiro de 1970) porque no gol do Goytacaz tinha um monstro chamado David, com quem, assistindo aos jogos atrás do gol, Nagib, mais tarde chamado de leiteiro e de turco, diz ter aprendido muito mais do que ele próprio chegou a imaginar enquanto jogou.
"Imaginem - e aqui é transcrito trecho da matéria - que em 1930, passando por Amaro Silveira e Titio, chamei os dois para conversar e fui logo dizendo, em tom de brincadeira: Como vou ganhar o jogo, acho melhor vocês não fazerem gol em mim que, no final, vamos farrear com o bicho que eu ganhar e ainda darei 50 mangos a cada um.
Pois olhe, meu amigo, tive que correr até os bilhares do Santafé com os dois querendo me bater. No dia do jogo foi o diabo. Amaro Silveira queria me derrubar com um chute e Titio matou a pau. Acabou fazendo um gol, mas o Americano ganhou por 2x1. O presidente Godofredo Cruz, depois do jogo, me deu uma nota grande daquelas de 500 mil réis. Mais tarde apanhei Amaro Silveira e Titio para jantar no saudoso Bar Esporte e, com eles estavam duros, acabei dando mesmo os 50 mangos para cada um. Foi uma noite de comemoração, e esquecemos a briga".
Paulo Marcos, Wilson Bispo, Augusto, Zé Neto, ex-jogadores do Goytacaz, também saíram por este mundo de Deus e mostraram sua bola para outras torcidas. Paulo Marcos chegou a ser titular do Internacional, de Porto Alegre. Fumaça e Acácio, este no Vasco da Gama, também saíram do futebol campista e o segundo deles, após passar pelo Rio Branco e Goytacaz e até pelo Serrano, de Petrópolis, foi para o Vasco da Gama, clube pelo qual também jogou Fumaça, que defendeu, em Campos, as camisas do Americano e do Goytacaz.
Edevaldo foi atacante na escolinha do Goytacaz e sempre marcou muitos gols para alegria dos pais Edgar e Carmita. No clube da Rua do Gás, ainda, começou a jogar na lateral-direita sob a orientação do treinador Laélio Lopes e em cuja posição chegou a titular do Fluminense. Edevaldo participou da Copa do Mundo pela Seleção Brasileira e integrou o time principal vascaíno, após jogar com brilho pelo Internacional, de Porto Alegre.
Valdir Pereira, mundialmente consagrado como Didi, foi um dos maiores jogadores gerados em Campos. Ganhou fama justamente na época em que Zizinho e Jair saía derrotados de uma Copa do Mundo e foi crescendo no confronto com o futebol então praticado por Rubens e, a seguir, Moacir, um pretinho muito feio mas tão bom de bola que Vicente Feola, em 1958, o levou como titular da Seleção campeã do mundo na Suécia.
Este Valdir Pereira, desde pequeno conhecido por Didi, ex-juvenil de tudo que foi clube campista que fazia a preliminar de jogos intermunicipais ou interestaduais, em time de cima só jogou pelo Industrial e Rio Branco, que vendeu Dodô, mano de Didi, ao Madureira, indo este de contrapeso, já que bom de bola mesmo era Dodô que voltou, lá ficando Didi.
- Quem é aquele ali, torpe? - perguntou o dramaturgo Nélson Rodrigues a este jornalista, durante um jogo do Fluminense no Maracanã.
- É o Didi, Nélson - foi a resposta.
- Ô abominável criatura, responda certo, então. É o Príncipe Etíope do Rancho.
Mauro Pinheiro, enorme charuto à boca, máquina de escrever à frente, também escreveu sobre Didi na Revista Placar:
"Maracanã, abril de 1957. Falta na entrada da área. Didi ajeita a bola com cuidado. Toma pouca distância e bate. O chute sai forte, elevado. Inesperadamente a bola muda de trajetória e cai dentro do gol, bem no ângulo. O goleiro Asca permanece imóvel. O Brasil derrota o Peru, classificando-se para o Mundial de 58. E a torcida vê surgir um novo dono absoluto para a camisa 8 do futebol brasileiro: Didi. Sua principal característica: era um maestro dentro do campo".
Mauro Pinheiro só errou, como o leitor irá verificar em seguida na transcrição do seu texto, ao escrever que Didi saíra do Goytacaz para o futebol carioca. Leiam-no:
"Com 20 anos, recém-casado, Didi começou defendendo as cores do, à época (1948) principal clube de sua cidade: o Goytacaz de Campos. Mas o bom do time era Dodô, seu irmão, cuja fama era tanta que o Madureira foi buscá-lo, levando Didi como contrapeso. Em seis meses de Rio, Dodô não justificou a fama. Ao contrário, Didi pintou como craque. Firmou-se no time, substituindo um dos maiores armadores da época: Jair Rosa Pinto".
José Sartro Costa, ex-jogador e também dirigente de clube e amigo pessoal do falecido Deputado Alair Ferreira, contou que Didi saiu do Clube Esportivo Rio Branco para o Madureira:
- Eu era o presidente do Rio Branco e vendi Dodô por Cr$ 12.000,00, indo Didi de quebra na transação com o Madureira. Esta glória é minha: o Brasil só conheceu Didi porque eu tive a coragem de, junto com o Dodô, seu irmão, mandá-lo para o Rio.
Pirré, ex-jogador do Industrial e durante muitos anos funcionando como porteiro e até mesmo delegado da Liga Campista de Desportos, falou que Didi começou jogando no clube do qual foi lateral. E provou, cedendo uma foto histórica do Industrial, com Didi na meia-esquerda.
"No Madureira - escreveu Mauro Pinheiro, na Revista Placar - Didi durou pouco. Em 1949 era transferido para o Fluminense, onde ao lado de Carlyle, Bigode, Píndaro, Castilho, Telê e Orlando Pingo de Ouro, conseguiu projetar-se e definir seu estilo de jogo. No ano seguinte era convocado para a Seleção de Novos que iria jogar contra os paulistas na festa de inauguração do Maracanã. Os cariocas perderam, mas ele marcou o primeiro gol da história do estádio".
A carreira de Didi não parou aí. Em 1952, nova convocação, desta vez para o Sul-Americano, em Lima. Lá travou seu primeiro contato com o futebol peruano. Na Seleção, firmou-se substituindo um dos maiores jogadores brasileiros: Mestre Ziza. E mereceu nova convocação: a chamada para a Copa de 1954, apesar das críticas sobre sua eterna tendência para o vedetismo.
Mário Filho, um dos grandes romancistas do futebol brasileiro, também escreveu sobre o jogador campista, no Jornal dos Sports. E o estilo inconfundível de Mário Filho não poderia deixar de ser aqui transcrito numa outra homenagem não apenas a Didi mas também ao futebol de Campos, celeiro inesgotável de valores deste esporte de massa:
"51 apresentara outro grande negro do futebol brasileiro: Didi. Jogava em pé, a não ser quando, aparentemente, se desequilibrava para enfiar um passe, Zezé Moreira apontava aquele preto de pescoço alto, feito de foca, equilibrando a cabeça, como o maior atacando do Brasil. Maior do que Zizinho.
E havia gente que só ia a futebol para ver Zizinho. A bola sempre ao alcance dele, para uma cutucada, para um drible seco e curto, para um chute de estufar a rede. O que Zizinho fazia com a bola era até de se duvidar.
Didi trouxera uma coisa nova. Quase sem olhar, dando, pelo menos, a impressão de que não olhava, esticava um passe de 30, 40 metros, lançando um Carlyle ou um Orlando diante de outro gol, sozinho. E quando batia uma penalidade, dava um efeito na bola, encobrindo a barreira, surpreendendo o goleiro. Era a folha seca.
Além do mais, tinha a vantagem de ser duro. Zizinho também era duro. Talvez estivesse pagando o 16 de julho. O 16 de julho não saía da cabeça do brasileiro. Aquela fora a hora de dar o safanão, de meter o braço, de tacar o pé.
Daí impressionaram mais os que, no momento exato, fizeram isso depois. Não apenas os jogadores. Os técnicos, os massagistas.
Didi surgira mesmo como craque, em 51. E havia Zizinho que muitos consideram o maior jogador brasileiro. Mas estava no Bangu, perdera o apoio da torcida do Flamengo, que se voltava para Rubens.
E dentro do sistema de Zezé Moreira a peça era Didi e não Zizinho. Um Didi que obedecia ordens, de um lado para outro, sem parar em campo, enfiando bolas de longe. Sem ter, todavia, a vaidade do Didi que ia aparecer como um Príncipe Etíope de Rancho.
A crônica engoliu a contragosto a consagração de Zezé Moreira. Não ia com o sistema dele. O que queria, no fundo, era o Brasil do Brasil x Espanha, das Touradas de Madri. Solto em campo, desinibido, jogando ao som de uma marcha de carnaval.
Daí talvez, ao deixar morrer mais depressa a euforia da façanha de Santiago. Engoliu um pouco a derrota dos cariocas, com Zezé Moreira, para os paulistas, com Aimoré Moreira, com Julinho dando um baile em Nílton Santos. Para a crônica, culpa de Zezé Moreira, da marcação por zona, que deixava Julinho pegar a bola livre e dominá-la para o drible.
Um Didi pertencia à categoria dos que tinham deixado de ser pretos. Um Nélson Rodrigues só se lembraria da cor de Didi para chamá-lo de Príncipe Etíope de Rancho. Didi tinha a graçade uma foca equilibrando uma bola na cabeça. Jogava ereto. Só na ocasião de um drible, ou de um passe, é que, aparentemente, se desequilibrava. Não passava uma bola ao natural, empurrando-a, fazendo-a rolar. Dava-lhe uma chicotada com o pé para que ela tomasse efeito, e caísse onde queria.
Foi assim que inventou a folha seca. Com uma folha seca classificaria o Brasil para o Campeonato Mundial da Suécia. O escrete brasileiro, de cabeça baixa, depois que perdeu o Sul-Americano de Lima, e logo para a Argentina.
O primeiro jogo de classificação foi em Lima. Jogo em branco. Zero a zero. O segundo foi no Maracanã. E aí, quando todos desesperavam, de longe, de quase 40 metros, Didi bate uma penalidade. Era a folha seca, a bola descrevendo uma curva, caindo de repente, para desespero do goleiro que não previa nada disso.
Só a posse da bola, plena, total, de quase ato sexual, o conhecimento no sentido bíblico, da bola, a menina, a namorada, a noiva, a mulher, é que poderia ter feito Pelé encontrar o caminho do gol contra o País de Gales.
O gol não foi obra apenas de Pelé. Nasceu de uma bola enfiada por Didi, em meio a uma floresta de pernas. Quando a recebeu, Pelé não podia chutá-la. Um pé enorme se levantou e veio, de travas à mostra, para cobrir-lhe o pé e a bola. Pelé tocou na bola, levantando-a, ao mesmo tempo que rodava sobre si mesmo.
A bola estava fora do alcance do pé enorme, e ele também, porque rodara e dera as costas, como se tivesse saído da jogada. Completando o giro, porém ficou de frente para o gol no momento exato em que a bola descia para o tiro de misericórdia, um peteleco na bola, bem no canto do gol.
Viu-se, então, em pleno esplendor, o melhor e o mais belo futebol do mundo. Sobretudo quando uma dificuldade surgia, como contra a França, que chegou a fazer um a um, como contra a Suécia, que marcou o primeiro gol.
Didi veio lá da frente para apanhar a bola no fundo da rede de Gilmar. Botou-a debaixo do braço, esticou o pescoço de foca, e gritou de dentes cerrados:
- "Vamos encher esses gringos!"
Campeão do mundo em 1958, Didi passou a valer ouro. Sondado pelo Real Madri, manifestou seu grande sonho: jogar ao lado de Di Stéfano e Puskas. Antes, em 55, Didi iniciou um rosário de brigas com o Fluminense, até que o clube tricolor o negociou, no ano seguinte, com o Botafogo, por um preço recorde na época: 1 milhão e 850 mil cruzeiros velhos. Em 59, foi vendido pelo Botafogo ao Real Madri, por 80 mil dólares. No clube espanhol acabou não suportando a campanha feita contra ele por Di Stéfano e, em 1961, o jogador campista retornou ao Botafogo, pelo qual foi bicampeão em 61 e 62 e, pelo Brasil, novamente campeão do mundo, aí no Chile. O último clube de Didi, que em 62 havia iniciado também a carreira de treinador, foi o São Paulo, em 66, quando pendurou de vez as chuteiras.
Armando Nogueira, num estilo gostoso de se ler, também se referiu a Didi no livro Na Grande Área, escrevendo que "o passe de curva não é, como se pode imaginar, uma obra de inteligência intuitiva. Nasceu de uma necessidade profissional, de um sofrimento. Em 1952, Didi machucou o tornozelo e não conseguiu ficar bom. Ia a campo, diariamente, tentando um jeito de bater na bola sem magoar o pé. Descobriu, um dia, que chutando com a base dos artelhos e não rigorosamente com o peito do pé, como manda o figurino, não sentia absolutamente nada. Concentrou-se, então, no treinamento dessa estranha deformação do chute perfeito, que é bater na bola quase com a ponta do pé, utilizando como superfície de impacto, principalmente, a base do dedo grande e seus dois vizinhos mais próximos. A princípio, estranhou o peso da bola que é muito mais sentido na ponta do que no meio do pé. Depois, começou a busca do efeito, justamente para atenuar o esforço da alavanca. E começou a chutar de raspão, desviando o pé para um lado ou para o outro, tal como se faz com o taco para imprimir efeitos à bola de bilhar francês (notadamente nas bolas de efeito). A perfeição da jogada viria com a prática. Prática que lhe permitiu dar à bola dois efeitos distintos e simultâneos, chutando de raspão e prensando-a contra o chão. Orgulhosamente, Didi confessou que a bola sai completamente zarolha".
No longo capítulo de quase cinco páginas, Armando Nogueira, em outro parágrafo, escreve que "Didi é o melhor exemplo brasileiro de um craque que aprendeu a disciplinar a sua técnica, jogando, com brilhante rendimento, um futebol que vem do instinto e da reflexão. Ele sabe, como poucos no mundo, mobilizar as suas pontencialidades, no instante de um drible de corpo ou de uma tabelinha (são inesquecíveis as tabelinhas que executava com Pelé no sul-americano de 1959, em Buenos Aires), no momento de um contrapé. Didi é maravilhosamente medular, irresistível na execução de um passe longo, e cerebral, científico. Tem perfeita noção espacial, como possui, também, profundo conhecimento do jogo e da posição dos jogadores, é capaz de criar uma situação excepcional de gol que aparentemente não existia. É esta, sem dúvida, a grande virtude que distingue o gênio do simples talento no futebol - a capacidade de antever a jogada. Didi, como Pelé, por exemplo, é tão extraordinário no mistério da antevisão de um lance que em certos momentos chega a fazer do futebol um jogo irreal".
Gilberto Cardoso, um campista que chegou à presidência do Flamengo, entrevistado, certa feita, pelo jornal O Globo, disse que o maior jogador que conheceu foi Mário Seixas, um sarará de pernas grossas, que jogou no Americano, no Bahia, na Portuguesa, no Santos e nas seleções baiana e brasileira. Sem contestar a opinião do dirigente, é bom lembrar que Gilberto Cardoso não viveu a era Pelé. Antes disso, uma cesta de Guguta, que valeu mais um título de campeão de basquete ao Flamengo, levou o presidente rubro-negro à morte. Esse jogo, contra o Sírio, foi no Maracanãzinho, hoje ginásio Gilberto Cardoso.
Num Campeonato Brasileiro, segundo Antônio Martins Coutinho, jogador do Americano como Cambãozinho, em 1916, Mário Seixas, na época meia-esquerda da seleção baiana, driblou toda a defesa paulista e, depois de jogar a bola na rede, saiu de campo magoado com os companheiros porque não tinha com quem jogar. O resultado desse jogo foi 11x1 para São Paulo, e o gol de honra da Bahia pertenceu a Mário Seixas, de quem Neneco, filho de Santa Luzia de Carangola, tricampeão pelo Aliança, ex-jogardor da Seleção Capixaba, falou coisas bonitas. E Neneco conheceu Mário Seixas jogando pela representação da boa terra, em 1929.
O que poucos sabem, e é o Álbum de Ouro do Santos Futebol Clube que lembra, é que Mário Seixas, no dia 30 de julho de 1930, uma quarta-feira, formou neste time: Athiê; Aristides e Meira; Osvaldo, Roberto e Alfredo; Osmar, Camarão, Feitiço, Mário Seixas e Evangelista. Importante, também, foi que, nessa tarde, com todo o comércio fechado para que os santistas pudessem ver o jogo, o Santos goleou espetacularmente (6x1) a Seleção da França, que voltava do Uruguai após disputar a Copa do Mundo. Mário Seixas ocupou, com destaque, o lugar de Araken, outra glória do futebol brasileiro e que se encontrava, com Polí, então jogador do Americano, em Montevidéu, participando da tal Copa.
Alguns anos antes, Amaro Silveira, metro e sessenta e cinco de altura, pai de Amarildo, foi o ponta-esquerda da Seleção Brasileira.
Terrível rompedor de área, conforme escreveu Geraldo Romualdo da Silva, no Jornal dos Sports, Amaro Silveira iniciou sua carreira no extinto Lacerda Sobrinho, ingressando depois no Goytacaz, para onde foi levado por Gumercindo Freitas e Ernesto Lima Barreto. Em 1924, Amaro Silveira integrou o escrete fluminense que derrotou o carioca por 3x1, em Álvaro Chaves, cuja formação foi esta: David; Congo e Soda; Vicente, Malvino e Serafim; Valteraro, Rolinha, Bibino, Mário Seixas e Amaro Silveira. De fora, nesse time, foram Congo, Serafim, Valteraro e Rolinha. Todos os outros eram campistas.
Um ano antes, a 11 de novembro de 1923, segundo o almanaque Seleções Brasileiras Através dos Tempos, editado por Adolpho Schermann, Amaro Silveira jogou na ponta-esquerda da Seleção Brasileira, tendo sido, portanto, o primeiro campista a vestir a camisa da CBD, hoje CBF. O time brasileiro, naquele dia, contou com Nélson; Penaforte e Alemão; Mica, Nesi e Dino; Pascoal, Torteroli, Nilo, Coelho e Amaro Silveira, e o jogo foi contra o Paraguai, que venceu por 1x0, no Parque Central, em Montevidéu, pelo Campeonato Sul-Americano. Desse mesmo escrete fizeram parte, também os campistas Soda e Mário Seixas.
Só em 1930, e esta história todo o campista conhece, foi que Poli, do Americano, jogou pela Seleção Brasileira. Isso aconteceu no dia 14 de julho, o jogo foi contra a Iugoslávia, que derrotou o escrete daqui por 2x1, pela Copa do Mundo. O time brasileiro contou com Joel; Brilhante e Itália; Hermógenes, Fausto e Fernando; Poli, Nilo, Araken, Preguinho e Teófilo.
Lelé, o grande Lelé, de chute tão forte que certa feita pôs um goleiro para correr e que foi personagem de marchinha carnavalesca, também nasceu em Campos, onde foi bicampeão pelo Aliança, ao lado de Eira, Tote, Salvador, Antoninho, Carbone, Lessa, Jorginho, Vicente, Neneca e João Rebite. Jogou no Madureira, de onde se transferiu para o Vasco da Gama, juntamente com Isaías e Jair, formando na época, um dos trios atacantes mais famosos do futebol carioca e brasileiro.
Pinheiro, outro jogador campista, ex-juvenil do Americano, estreou na Seleção Brasileira como atleta do Fluminense, e Tite, filho do grande Bibino e mano de Rubens Rios, que já presidiu o Goytacaz, jogou poucas vezes no time principal desse clube, transferindo-se muito novo para o tricolor de Álvaro Chaves, de onde foi para o Santos, do qual foi convocado, em 1957, para a Seleção Brasileira. Já Amarildo começou jogando num time de crianças que existiu na Rua Formosa, passando pelo Ipiranga e, mais tarde pelo Goytacaz. Depois foi juvenil do Flamengo, só chegando à Seleção Brasileira em 1962, como jogador do Botafogo, e se transformando no Possesso, segundo Nélson Rodrigues, ao substituir Pelé na Copa do Mundo do Chile.
A relação dos grandes jogadores campistas que fizeram nome no lugar ou fora é das maiores, destacando-se, entre tantos, e além dos que já foram citados, Valdir Negrinhão, da família de Ademar, Ari, Álvaro, Dudu, Roxo, Catosca e Tolinha. Valdir Negrinhão começou no Industrial, foi tetracampeão pelo Goytacaz, participou de vários combinados campistas e fluminenses, tendo integrado a seleção do Estado do Rio que goleou a de Minas por 5x1, em Belo Horizonte. Depois jogou pelo Botafogo, Milionários da Colômbia, ao lado do grande Heleno de Freitas, encerrando sua carreira no América mineiro.
Pires, Nagib, Cobian, Andretti, Mário Borboleta, Nahime, Mineiro, Manoelzinho, foram outros grandes jogadores campistas. Manuelzinho, ex-jogador do Goytacaz, jogou pelo São Cristóvão, no Rio. Sua estréia foi contra o Vasco da Gama, em cujo jogo marcou o gol da vitória (1x0) driblando o grande Domingos da Guia e depois Itália, antes de marcar.
Osvaldino, um mulato de boa estampa, começou no juvenil do Campos, em cuja categoria se transferiu, em 1955, para o Goytacaz, onde jogou com Amarildo, e, pela seleção campista de juvenis, com Amaro Bacalhau. Com 15 anos vestiu a camisa do time principal do alvi-anil ao lado de Manoel Lucas, Roberto Peru, Tarceli, Ualdo, Rubinho. Esteve no Rio, onde fez estágio no América e Bangu e atualmente vive, como professor de educação física, em Cachoeiro, no sul do Espírito Santo. Dele, os mais antigos dizem duas coisas: não era de fazer falta, mesmo jogando como médio, e tinha a mania de matar a bola no peito para depois sair jogando sem dar um chutão. Foi um dos campeões do Goytacaz, anos atrás.
Valores que fizeram nome no futebol campista existem muitos, como Amaro Matraca, Hugo de Campos Soares, que chegou a jogar pelo Botafogo, Rebolinho, além de Cri-Cri, que saiu do Americano para o América e, num jogo contra o Botafogo, marcou quatro gols. Zurlinden, que enfrentou os uruguaios na Rua São Bento, Lula, Alcino, que jogou pelo Olaria e São Paulo, mais Newton, que saiu do Goytacaz para formar neste timaço do Flamengo: Batalha; Penaforte e Hélcio; Mamede, Seabra e Dino; Newton, Candiota, Nonô, Vadinho e Moderato. Isso em 1925, ano em que o Flamengo foi campeão carioca. Pelo Flamengo também jogaram os campistas Jarbas, Paulinho de Almeida, Décio Castro e Fidélis.
Celso Linhares saiu de Campos para o Botafogo, pelo qual jogaram Ivan, Hugo, Cremílson e Zé Carlos, o primeiro dos dois últimos egresso do União de Santa Cruz e o segundo do Nova Brasília. Já pelo América jogaram Cabrita, Mineiro, Cinco, Gilmar, Sérgio Lima, Heitorzinho e Renato, além de Cri-Cri, e, no Madureira, Lelé, Didi, Amaro Batista, Mílton Barreto e Carioca. O Bonsucesso contou com Irineu, que substituiu Lelé no time tricampeão do Aliança, além de Pedrinho, Roberto e Amaro Barbosa, o Bacalhau, este tabém com passagens pelo América, Corinthians e Milan, da Itália.
Salvador, de quem os campistas pouco ouviram falar, saiu do distrito de Mussurepe e foi jogar no Bela Vista, em Portugal, enquanto o Fluminense, ao longo de tantos anos, contou com Pinheiro, o endiabrado Maneco, Hélvio, que depois, a exemplo de Tite, jogou pelo Santos e a Seleção Brasileira, mais Milton Bororó, Evaldo, Denílson, que saiu pequeno de Campos e chegou a vestir, com brilho, a camisa da Seleção Brasileira e Emílson Peçanha. O Vasco contou com Moacir, o São Cristóvão com Salvador e Manoelzinho e o Tupi, de Juiz de Fora, com Manga.
Mas a penca maravilhosa de bons valores do futebol campista não ficou nestes nomes. E tanto isto é prova que Ovílson Neves saiu do lugar e jogou no Canto do Rio, Dedé, Alfeu e Arturzinho vestiram a camisa rubro-negra do Flamengo. Outro Arturzinho foi titular vinte e cinco anos do time do Campos, enquanto Fubá, jogando pela Portuguesa carioca, correu o mundo, tendo assistido ao casamento do Príncipe Rainier com Grace Kelly, ex-atriz do cinema americano, e Vicente Arenari, de família das mais tradicionais de Campos e toda ela ligada ao esporte, foi campeão brasileiro jogando pelo Bahia, e ídolo, como zagueiro, de uma das mais fortes equipes do Palmeiras.
Mário Ramos, falecido alguns anos atrás, também andou mostrando sua bola no Fluminense, no Bahia e em Pernambuco. Ele, como todos os demais, fizeram parte deste elenco espetacular de jogadores, no qual se incluem Manoel Lucas, o ídolo da década de 50 como jogador do Goytacaz, os inteligentes irmãos Carlos Augusto e Nílton Barreto, o ponteiro Edinho, do Americano, o ponta-de-lança Chico Preto, que passou pelo Campo Grande, e os grandes goleiros Cleveland, Augusto, que jogou pelo Campos, Alcides e Haroldo, pelo Americano, Nilsinho, pelo Rio Branco e Zé Carlos e Rodoval, pelo Goytacaz.
Rodoval, também conhecido por Zé da Ilha, certa feita jogando contra o Roial, em Barra do Piraí, mandou Jorge Félix cobrar o pênalti arranjado pelo juiz do jeito que quisesse que ele, Rodoval, defenderia. O jogo estava 1x1, resultado que servia para o Goytacaz ganhar o título fluminense. Faltavam dois minutos quando surgiu a tal falta, criando-se, com isso, terrível rebu: os jogadores do time campista tentando evitar que o pênalti fosse cobrado, porque o empate consagraria o Goytacaz, os do Roial querendo cobrar, porque só a vitória lhes daria o título. Foi aí que o goleiro Rodoval chamou o grandalhão Jorge Félix e, aos gritos, ordenou: "Bate este troço do jeito que bem entender que eu vou defender". O juiz apitou, Jorge Félix, que depois andou jogando pelo futebol carioca, correu, meteu o pé com raiva na bola e Rodoval, atirando-se para o canto direito, defendeu a penalidade com as pernas, no centro do gol. Na recarga, Carlos Augusto deu um chutão para a frente, onde só estavam, no grande círculo, o atacante Chico e um zagueiro do Roial. Chico driblou o zagueiro, correu a metade do outro campo e, na saída desesperada do goleiro, marcou o gol da vitória do Goytacaz. Logo depois o jogo terminou, para desespero da gente barrense.
Titio, um meia de quem o jornalista Hervê Salgado Rodrigues sempre falou com o maior carinho, pela beleza do futebol que apresentou como jogador do Goytacaz, também foi citado pelo ex-goleiro Nagib, do Americano, que só foi jogar neste clube, segundo revelou ao Monitor Campista (21 de janeiro de 1970) porque no gol do Goytacaz tinha um monstro chamado David, com quem, assistindo aos jogos atrás do gol, Nagib, mais tarde chamado de leiteiro e de turco, diz ter aprendido muito mais do que ele próprio chegou a imaginar enquanto jogou.
"Imaginem - e aqui é transcrito trecho da matéria - que em 1930, passando por Amaro Silveira e Titio, chamei os dois para conversar e fui logo dizendo, em tom de brincadeira: Como vou ganhar o jogo, acho melhor vocês não fazerem gol em mim que, no final, vamos farrear com o bicho que eu ganhar e ainda darei 50 mangos a cada um.
Pois olhe, meu amigo, tive que correr até os bilhares do Santafé com os dois querendo me bater. No dia do jogo foi o diabo. Amaro Silveira queria me derrubar com um chute e Titio matou a pau. Acabou fazendo um gol, mas o Americano ganhou por 2x1. O presidente Godofredo Cruz, depois do jogo, me deu uma nota grande daquelas de 500 mil réis. Mais tarde apanhei Amaro Silveira e Titio para jantar no saudoso Bar Esporte e, com eles estavam duros, acabei dando mesmo os 50 mangos para cada um. Foi uma noite de comemoração, e esquecemos a briga".
Paulo Marcos, Wilson Bispo, Augusto, Zé Neto, ex-jogadores do Goytacaz, também saíram por este mundo de Deus e mostraram sua bola para outras torcidas. Paulo Marcos chegou a ser titular do Internacional, de Porto Alegre. Fumaça e Acácio, este no Vasco da Gama, também saíram do futebol campista e o segundo deles, após passar pelo Rio Branco e Goytacaz e até pelo Serrano, de Petrópolis, foi para o Vasco da Gama, clube pelo qual também jogou Fumaça, que defendeu, em Campos, as camisas do Americano e do Goytacaz.
Edevaldo foi atacante na escolinha do Goytacaz e sempre marcou muitos gols para alegria dos pais Edgar e Carmita. No clube da Rua do Gás, ainda, começou a jogar na lateral-direita sob a orientação do treinador Laélio Lopes e em cuja posição chegou a titular do Fluminense. Edevaldo participou da Copa do Mundo pela Seleção Brasileira e integrou o time principal vascaíno, após jogar com brilho pelo Internacional, de Porto Alegre.
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